sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Família


Eu achava que seria fácil. Sair de casa ainda jovem, cuidar da minha vida. Viver no mundo por minhas pernas, da forma que eu escolhi. Arrumei tudo o que era meu, enchi malas, caixas e avisei: não volto mais.
Eu era diferente de todos, não concordava com aquele modo de ser, dos olhares de alto a baixo, das críticas, das conversas girarem em torno de julgamento dos outros, de tanto falso moralismo. Estava cheia de tudo aquilo. Tinha decidido que família seria somente no porta retrato.
Constitui a minha com marido e três filhos, numa cidade em que eu não conhecia ninguém e longe, muito longe daqueles que eu havia deixado para trás. A princípio era muito difícil, eu não compreendia bem o que me diziam, a forma de falar era diferente e principalmente a maneira de cozinhar. Não conseguia administrar as tantas empregadas que trabalharam comigo.
Quando o meu caçula completou 4 meses e eu deveria retornar ao trabalho, recebi a notícia de que a sua babá não trabalharia mais para mim. E agora? Como resolver isso?
Levei as crianças para o meu trabalho e o chefe me deu o dia de folga. Assinei o ponto e fui dispensada com o compromisso de retornar no dia seguinte com o meu problema resolvido. Deveria arrumar alguém ou algum lugar para deixar os pequenos.
Saí pela cidade, circulando sem saber o que fazer e de repente vejo uma faixa colocada em frente a uma casa, com os dizeres: "Brevemente aqui Hotel Creche".
Estacionei e desci do carro com minha renca e fui recebida por um adolescente de uns treze anos, educado, simpático e gentil que me pediu que esperasse por sua mãe que viria em seguida. 
De uma escada da lateral da sala, desce mansamente uma senhora que, ao me ver, chama por duas filhas e pede a elas que cuidem das crianças.
Ficamos sozinhas para conversar. Me mostrou as instalações, falamos sobre todos os detalhes, combinamos preço, material a ser levado e acertamos tudo. Como eu trabalharia o dia inteiro, as crianças ficariam na creche no período integral. Para mim tinha sido um milagre resolver o meu problema em menos de uma hora. Na saída perguntei a ela qual o horário que eu poderia deixar a meninada no dia seguinte e ela surpresa me perguntou se eu não havia lido toda a faixa de propaganda. A creche só começaria a funcionar na primeira semana de março, dali a um mês.
Cai em um pranto convulsivo. O quê seria de mim? Eu precisava trabalhar, só tinha até o dia seguinte para resolver... Eu fiquei desesperada e frustrada. A senhora, com pena de mim, me ofereceu uma solução paliativa. 
- "Amanhã você traz o bebê e deixa na casa da minha filha que também tem outro da mesma idade. Ela não vai ter problemas em cuidar dos dois. Prepare a sacola dele com fraldas, mamadeiras, o leite e frutas. À tardinha, quando sair do trabalho você vem pegá-lo, mas os outros não dá para ficar, por enquanto, porque ainda não contratamos as auxiliares."
No dia seguinte eu fiz como a senhora falou, levei o caçula para a filha dela cuidar e os mais velhos eu deixei com uma vizinha, com quem eu tinha uma certa camaradagem.
Ao devolver meus filhos à noite, a vizinha reclamou que não tinha condições de me ajudar porque criança dá muito trabalho e que não iria ficar mais com eles.
Eu não tive a menor dúvida. No dia seguinte pela manhã, lá estava eu na casa da dona da creche com toda a meninada e fui logo avisando: - Nem fale nada, eu não tenho outra opção. 
Os negócios foram bem e a creche se tornou uma escola. Eu não me preocupava com nada, nem com a alimentação, acompanhamento dos estudos e saúde. Ela sempre me acompanhou ao médico, quando necessário. Sabia mais da rotina dos meus filhos do que eu mesma. Mas nunca se colocou no meu lugar. Ela era a avó e suas filhas as titias que cuidavam deles enquanto a mamãe trabalhava.
Quando o meu mais velho estava com 7 anos e frequentando a primeira séria, a senhora mandou me chamar dizendo que tinha uma coisa muito séria para me falar. 
- Não tenho como manter a escola do jeito que eu gostaria por falta de profissionais adequados.  Vou ter que fechá-la.
- Sim e qual é o problema sério, eu disse. Não entendi
- Eu estou dizendo que infelizmente vou fechar a escola. Você vai ter que arrumar outra para matricular os seus filhos.
- Ok, não tem problema nenhum, eu disse tranquilamente.
- Parece que você não está entendendo... Como você vai se resolver com as crianças?
- Vou matricular em uma escolinha pela manhã  e depois das aulas elas vão para a casa da vovó - a sua casa.
Ela deu um sorriso gostoso e ficou toda feliz, pela confiança que eu depositava nela.
Fomos adotados por essa senhora e sua família. Temos um relacionamento afetuoso, ela me acompanha em tudo o que acontece em minha vida e na de meus filhos. Ela os apresenta a todos como netos dela e eles sentem o maior orgulho disso.
Dei muita sorte na minha vida. A família que eu escolhi para mim e que me acolheu é onde eu me sinto  feliz e respeitada. Faço parte dela como todos os outros membros. O sangue é apenas um detalhe. 
Estamos juntas há vinte e seis anos. Dizem que eu sou a "filha" que mais se assemelha com ela. Sorrimos muito quando ouvimos esse tipo de história.
Quando a gente tem a chance de escolher a nossa própria família, vivemos muito mais feliz

4 comentários:

chica disse...

História linda e comovente e que bom quando acontece assim...Família muitas vezes é fogo e quando dá certo com as de fora, é maravilhoso!beijos,chica

Anônimo disse...

Bom dia Linda! Meus olhos ficaram colados na tela até ao fim. Não sei se esse Episodio de vida aconteceu com voce? se aconteceu mesmo! Voce é tudo que descrevi dessa mulher que existe em ti. acrescento mais! Uma guerreira que vai à luta e conquistadora. Acabou ai nesse Episodio por conquistar uma familia maravilhosa.

Voce merece o melhor que a vida tem... beijos e abraços

HENRY

CEM PALAVRAS disse...

Chica,
Família é fogo, mesmo! Aliás, qualquer tipo de relação é fogo!
beijos

CEM PALAVRAS disse...

Henry,
Você é sempre carinhoso comigo. Obrigado por suas palavras.
Um grande abraço e muitos beijos para você.