quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Consulta médica



Quando eu ainda trabalhava tinha que me submeter, obrigatoriamente, a exames periódicos anuais. O médico da empresa nos enviava uma infinidade de requisições e nós tínhamos livre escolha tanto do laboratório quanto do médico clínico para fazer a avaliação. Foi assim que eu optei por um profissional que, além da sua extrema competência, tinha um ótimo humor e era meu cliente. Passou a ser também o médico dos meus filhos que, pré-adolescentes, não aceitavam mais se consultar com pediatras.
Eu, como pãe (pai+mãe), tinha com esse profissional uma boa garantia da orientação que dava a eles sobre DST, sexo seguro, relacionamento responsável, gravidez indesejada, escolhas e consequências. Diferentemente de mim, mesmo que nunca tendo fugido da raia, a conversa entre eles era de "homem para homem" o que me tranquilizava muito.
Apesar das consultas serem anuais, a nossa amizade foi se solidificando, até que ele foi para o exterior fazer doutorado. Ficou por lá mais de seis anos e fomos remanejados para um médico que ficou trabalhando para ele no consultório , mas que não era a mesma coisa.
No mês passado recebi um telefonema de sua antiga secretária me avisando do seu retorno ao Brasil e indagando se eu queria marcar uma consulta. Marcamos eu e um filho e fomos juntos, como sempre.
Foi uma alegria revê-lo, parecia que o tempo não tinha passado. Enquanto fazia a anamnese, começou a gargalhar e me perguntou:
- Menina, você virou biriteira? ah!ah!ah!
- O que, doutor? Eu nem bebo!
- Por isso eu estou rindo, ah!ah!ah! Você é biriteira e está me escondendo, brincava comigo.
- De onde você tirou esta ideia?
- Olha, eu não deveria estar te falando isso, mas como te conheço há muitos anos e sei quem você é, eu vou contar porque tem algo errado aqui. O  colega anotou na sua ficha que você tem "tendência ao alcoolismo". E não parava de rir.
- ?!? De onde ele tirou isso?
Voltou à seriedade, me examinou, passou alguns exames e pediu que eu retornasse com os resultados.
Na saída, vendo que eu ficara constrangida com a anotação, me tranquilizou dizendo que eu não me preocupasse que ele iria conversar com o colega e corrigir aquilo.
Depois me deu um abraço e me perguntou cadê o batom. O batom?!?
- Quando eu viajei, eu ainda era seu cliente. Você ia trabalhar com o cabelo muito bem penteado, maquiagem perfeita, bem vestida, perfumada e de batom. Você era vaidosa. Estou te desconhecendo.
- Mas doutor, eu não trabalho mais por isso ando à vontade.
- Aquela era a mulher que eu conheço e quem você é na verdade. Esta que veio aqui hoje é apenas um esboço. Na próxima consulta eu  quero atender a minha cliente e não essa versão genérica...
Saí do consultório leve como pluma. O bom médico é aquele que conhece a sua história, que trata você como um todo e não apenas partes, como fazem os especialistas (nada contra os especialistas, devem ser consultados quando somos encaminhados por nosso clínico).
Apesar de anos sem me ver, pelo meu histórico e o da minha família, ele tinha certeza de que a anotação estava errada e nem precisou da minha confirmação. E a sua lembrança do que eu era e da autoestima que eu tinha funcionaram como uma deliciosa massagem no ego.
Se eu estivesse doente, com certeza teria saído de lá curada. Não há remédio melhor do que boas risadas e um ombro amigo. Especialmente quando vem da pessoa que cuida da sua saúde.


3 comentários:

Célia disse...

Sou também privilegiada! Tenho um médico assim... ombro amigo! Faz-nos muito bem! Saramos só no diálogo! O resto vem por acréscimo de alguns comprimidos! Mas, o afeto cura!
Abraço, Célia.

Unknown disse...

Profissionais assim são tão importantes. A impressão que tenho é que a maioria (até mesmo enfermeiros, por usar jaleco) possuem um ego terrivelmente inflado e trata-nos como máquinas o que não deveria ser assim, pois quando vamos buscar ajuda é porque não estamos bem, não somente física, mas principalmente psicologicamente. A falta de saúde acaba com a pessoa.
Claro que pode fazer uso do que quiser do texto que escrevi e não se preocupe, escrever por vezes nos distrai, eu, muitas vezes, ao revisar um texto é que percebo que deixei passar certas coisas e por vezes é tarde demais, já está publicado. ahah

Artes e escritas disse...

Não faço questão que o profissional de saúde seja amigo, desde que seja um bom profissional. De qualquer modo, você tem sorte por ter trocado o profissional duvidoso pelo bom profissional. Um abraço, Yayá.